Corrupção e falta de ética foram enfocadas em ‘Vale Tudo’, que denunciava a inversão de valores no Brasil no final dos anos 1980. Os autores centraram a discussão sobre honestidade e desonestidade no antagonismo entre mãe e filha: a íntegra Raquel Accioli (Regina Duarte) é o oposto da filha Maria de Fátima (Gloria Pires), jovem inescrupulosa e com horror à pobreza que, logo nos primeiros capítulos da novela, vende a única propriedade da família, no Paraná, e foge com o dinheiro para o Rio de Janeiro com o objetivo de se tornar modelo. Raquel vai atrás da filha e conhece o administrador de empresas Ivan Meirelles (Antonio Fagundes), por quem se apaixona. Para ganhar a vida, passa a vender sanduíches na praia, com a ajuda do amigo Audálio (Pedro Paulo Rangel), conhecido como Poliana.
Enquanto a mãe batalha para sobreviver honestamente, Maria de Fátima se alia a César (Carlos Alberto Riccelli), um mau-caráter que a estimula a seduzir o milionário Afonso Roitman (Cássio Gabus Mendes), de olho na fortuna do rapaz. Afonso é namorado da jornalista Solange (Lídia Brondi), que acolheu Maria de Fátima quando esta chegou ao Rio, e filho da poderosa empresária Odete Roitman (Beatriz Segall), diretora da Companhia Aérea TCA. Odete também é mãe de Heleninha (Renata Sorrah), artista plástica frágil e insegura, que sofre com o alcoolismo. A rica executiva manipula a vida dos filhos e trata mal os empregados, além de se achar superior a todos.
Obstinada em se casar com Afonso, Maria de Fátima aceita a proposta indecorosa de Odete, que pede que a jovem separe Raquel de Ivan, prometendo fazer seu filho casar-se com ela. A vilã quer Ivan disponível para se casar com sua filha Heleninha. Maria de Fátima faz mais uma de suas armações e consegue acabar com o relacionamento e a felicidade de sua mãe, que rompe com Ivan, acusando-o de desonestidade. Magoado, Ivan se casa com Heleninha.
No acordo firmado com Odete Roitman, Maria de Fátima teria direito à fortuna de Afonso após dois anos de casamento. O tempo passa, mas, dois meses antes do prazo, Odete descobre o romance da nora com César, com quem ela própria mantinha um caso. Desmascarada, sem o apoio da vilã, Maria de Fátima fica sem nenhum tostão e vai procurar Raquel, agora proprietária de uma rede de restaurantes. Raquel, após muitas decepções, recusa-se a ajudar a filha.

Quem matou Odete Roitman?
Os autores aumentaram o clima de suspense escrevendo cinco versões diferentes para o último capítulo, ao qual o elenco só teve acesso durante a gravação da cena. O mistério da identidade do assassino de Odete Roitman, embora tenha durado apenas 11 capítulos, povoou as conversas pelo país. Houve até um concurso, patrocinado por uma indústria alimentícia, para premiar quem acertasse o nome do assassino.
Segundo Aguinaldo Silva, que assinou a autoria da novela com Gilberto Braga e Leonor Bassères, a escolha de Leila (Cassia Kis) como a assassina foi uma decisão tomada de última hora pois, da forma como a cena foi armada, vários personagens poderiam ter praticado o crime.
Odete Roitman conquistou grande popularidade e se transformou em uma das mais destacadas vilãs da teledramaturgia. A personagem marcou a volta de Beatriz Segall à Globo após cinco anos longe da emissora. Seu último trabalho havia sido na novela ‘Champagne’ (1983), de Cassiano Gabus Mendes, na qual interpretou Eunice, uma mulher pobre e humilde, que contrastava com os papéis de grã-fina que se acostumara a fazer na TV.
Odete é assassinada nos capítulos finais, gerando um grande mistério na história. O Brasil inteiro parou para saber “quem matou Odete Roitman”. O assassino era um personagem que ninguém esperava: Leila (Cassia Kis), mulher do mau-caráter Marco Aurélio (Reginaldo Faria), diretor da TCA. Leila atira em Odete pensando se tratar de Maria de Fátima, que se tornara amante de seu marido.
A novela mostrou um final inusitado, ao não punir os personagens de má índole: Maria de Fátima se casa com um nobre italiano gay, em mais um plano idealizado por seu amante César; e Marco Aurélio, depois de aplicar um grande golpe financeiro, foge do país com Leila, dando uma banana para o Brasil, em cena que virou uma das mais emblemáticas da teledramaturgia brasileira.

Vale Tudo pelo mundo
‘Vale Tudo’ foi exibida em mais de 30 países, entre os quais Alemanha, Angola, Bélgica, Canadá, Cuba, Espanha, Estados Unidos, Itália, Peru, Polônia, Turquia e Venezuela.
A novela foi reapresentada entre maio e novembro de 1992, em Vale a Pena Ver de Novo.
Em 2002, a Globo e a Telemundo, braço hispânico da rede americana NBC, realizaram em coprodução o remake da novela. Adaptada por Yves Dumont, ‘Vale Todo’ (como foi chamada a nova versão) teve direção-geral de Wolf Maya e um elenco de língua hispânica. Foi a primeira produção da Globo voltada exclusivamente para o mercado externo.
A trama ganhou reprise em 2010 e 2018 pelo Canal Viva, veiculado na TV fechada, e voltou a fazer enorme sucesso. A reprise da trama trouxe à tona novamente as discussões e os dramas vividos pelos personagens, além de mostrar ao público os modos e costumes do final dos anos 80. Chamou a atenção o visual dos atores, todos 22 anos mais jovens.